Se eu caísse agora e tivesse poucos segundos, talvez uns minutos para pensar antes que tudo acabasse, eu pensaria justamente o oposto. Que não conquistei nada, que não vi nada, que não vivi nada. Eu quero viver. Mas então por que não vivo? Por que, quando estou a bordo de um avião ou no interior de um carro e imagino que posso cair ou bater, o meu pensamento é que não importaria muito? Que não faria muita diferença? Que para mim daria na mesma viver ou morrer? Porque esse é o meu pensamento mais recorrente. A indiferença é um dos sete pecados mortais, e na verdade o maior de todos, porque é o único que atenta contra a vida.
Um Outro Amor é o segundo livro da série Minha Luta do norueguês Karl Ove Knausgard. Nesta série, temos nada mais que a autobiografia do autor, contada na forma de um romance, enquadrando o livro no gênero ficção autobiográfica. São sete livros no total e cada um deles aborda de forma mais contundente algum aspecto da vida de Karl Ove.
No primeiro, o título dá a dica, A Morte do Pai enfoca tanto na relação nada amigável com o pai quanto nos sentimentos conflituosos do autor que emergem com seu falecimento. Já Um Outro Amor conta a história de sua própria família, a relação com a esposa Linda e o nascimento dos seus três filhos, especialmente a primogênita Vanja, além de Heidi e John. Pra mim, os capítulos que narram a gravidez, o nascimento emocionante de Vanja e a beleza da descoberta de si enquanto pai são os mais bonitos do livro.
Por falar na estrutura, reconheço que esses livros talvez não sejam convidativos ao grande público porque Karl Ove descreve sua própria experiência de vida de forma não tão surpreendente assim. Ou seja, temos parágrafos e parágrafos de uma simples ida ao supermercado, detalhes banais de uma festa de aniversário, a trivialidade de uma ida ao bar com um amigo querido. São detalhes que me fez sentir mais próxima do autor, você se reconhece nessas banalidades porque é a vida como ela é, não a ilusão de uma vida incrível de acontecimentos de tirar o fôlego. Se é isso que você procura, nem abra os livros de Karl Ove.
Talvez de forma paradoxal, a banalidade da vida é que torna o livro único, é para poucos a capacidade de narrar de forma tão envolvente uma ida a um café para fumar e ler um jornal, Karl Ove consegue fazer o leitor sentir-se impelido a descobrir mais sobre sua história, mesmo que seja a história de um escritor pai de família como tantos outros. Outro ponto interessante foi descobrir mais sobre a Noruega e Suécia, apesar dele ter nascido no primeiro país, após o término do primeiro casamento, o autor muda-se para Estocolmo para "recomeçar a vida" e é nesta cidade que passeamos a maior parte do livro, interessante conhecer hábitos e a vida nesse país.
Apesar de, em alguns momentos o livro ter essa capacidade mágica de querer acabá-lo de uma vez só, em outros as suas divagações pediam por uma pausa, quem leu o primeiro livro irá notar que suas elucubrações sobre a vida, o universo e tudo o mais são uma constante maior em Um Outro Amor, tornando-o bem maior que o primeiro. Recomendadíssimo!