sexta-feira, 2 de abril de 2021

Sobre o Livro #4 - A Metade Perdida


Livro: A Metade Perdida

Título Original: The Vanishing Half

Autora: Brit Bennett

Tradução: Thaís Britto

Editora: Intrínseca


Quando Jude Winston leva o namorado para a biblioteca de sua universidade a fim de prová-lo que sua cidade natal não existia no mapa, ele fica surpreso, é claro, como pode uma cidade não existir nos atlas? Mallard realmente não existe, mas na ficção de Brit Bennett, o pequeno vilarejo localizado no estado da Luisiana não é tão difícil de ser localizável na realidade. 

"Era uma cidade estranha. (...) Como qualquer outra, aquela cidade era mais uma ideia do que um lugar. A ideia ocorreu a Alphonse Decuir, em 1848, quando estava nos campos de cana-de-açúcar que herdara do pai. (...) Uma cidade para homens como ele, que nunca seriam aceitos como brancos, mas que se recusavam a ser tratados como negros. Um terceiro lugar. A mãe de Alphonse, que Deus a tenha, odiava a pele clara do filho; quando ele era criança, ela o colocava debaixo do sol, rezando para que escurecesse. Talvez aquela tenha sido a inspiração dele para sonhar com a cidade. A pele clara, como tudo que é conquistado a duras penas, era uma dádiva solitária." (pág. 13)*

O mote de construção para a cidade é o fio condutor da narrativa, aquilo que irá definir e motivar todas as ações dos personagens, especialmente das gêmeas Desiree e Stella Vignes, nascidas em 1938 e tataranetas do fundador Alphonse. Desiree é a mais intempestiva e inquieta, seu maior sonho é sair da cidade, diferente da irmã, que parece mais subserviente e adaptada ao papel que lhe cabe, mesmo quando a mãe subitamente tira as filhas da escola porque precisam começar a trabalhar. Stella, que gostava muito de estudar e cujo sonho era ingressar na universidade, aceita melancólica que ela e a irmã passem a trabalhar faxinando a casa de um casal de brancos. 

Até que finalmente Stella, aos 16 anos aceita embarcar no sonho da irmã e elas partem rumo a Nova Orleans, quando, anos depois, seus caminhos tomam rumos inesperadamente opostos. Para surpresa de Desiree (e do leitor), Stella empreende uma segunda fuga, dessa vez da própria irmã, que sozinha e desamparada, casa-se com Sam e dá a luz a Jude. Talvez desafiando a própria ascendência racista, Sam é um homem negro "muito escuro" e Jude puxa mais ao pai que a mãe. Por isso, quando retorna a Mallard, 14 anos depois, Desiree choca a cidade mais pela sua filha de pele escura do que pelo seu retorno.

Em 1968, quando Desiree volta a Mallard, quatro anos haviam se passado desde a promulgação da Lei dos Direitos Civis, quando todas as leis de segregação racial ainda vigentes (como instalações separadas para brancos e negros, por exemplo) são erradicadas. Esta lei foi fruto de muitas lutas, encabeçadas pelo pastor Martin Luther King, assassinado neste mesmo ano de 1968. Assim, o final dos anos 60 e anos 70 são marcadas por mudanças políticas e culturais profundas, ainda que somente na letra fria da lei. Essas questões ficam nítidas quando acompanhamos o que afinal aconteceu com Stella e porque ela fugiu. (ATENÇÃO: SPOILERS A PARTIR DAQUI)

Na primeira parte do livro, o narrador nos leva a crer que Stella é uma menina sem muito a dizer, por isso o protagonismo de Desiree, entretanto, ao chegarmos na parte III, vemos que Mallard produziu efeitos opostos na personalidade dela, em comparação com a irmã. Enquanto Desiree queria se afastar o máximo possível dessa determinação racista da suposta superioridade por ter a pele mais clara, Stella caminha no sentido oposto, ela se torna branca e usufrui de todos os privilégios a que ela nunca sonhou ter o direito quando adolescente.

Seu processo de tornar-se branca começa quando vai fazer uma entrevista para um emprego como secretária. Stella sabe que nunca seria contratada sendo negra, mas a entrevistadora a confunde, não percebe que é negra e ela não a corrige. Ao ser contratada, ela conhece o seu futuro marido, o seu chefe Blake Sanders, um homem rico e branco, claro. Stella, que ainda morava com a irmã quando começa a sair com o chefe, esconde a sua história desde o início do romance, para Blake, toda sua família morreu quando era pequena. Nesta narrativa, não havia espaço para a irmã, por isso Stella foge, casa-se com Blake, com quem vai morar em um condomínio em Los Angeles e tem uma filha, Kennedy.

Toda a vida adulta de Stella é um simulacro de como o racismo pode operar na vida de uma pessoa. Os privilégios e as facilidades de ser uma pessoa branca levam a personagem a abandonar a si própria, sua história e as pessoas que ama. Ao mesmo tempo que sentimos compaixão por Desiree, desesperada sem saber da irmã e em luto pela sua perda em vida, é difícil julgar Stella, ainda que ela tome cada vez mais atitudes questionáveis como opor-se firmemente a mudança de uma família negra para o condomínio onde mora, fazendo justificativas racistas, quando o que sente na verdade é medo de ser "reconhecida" por um dos "seus". É interessante como percebemos que seu medo na verdade é muito mais de se "revelar" ao outro, pois ela é a única condômina que acaba desenvolvendo uma amizade com Loretta Walker, a vizinha negra de quem queria distância e de quem acaba vendo semelhanças com Desiree. É evidente o quanto toda a mentira que vive paga um alto preço, além de viver a sombra, com medo de ser "desmascarada", Stella sente o tempo todo que não pode ser ela mesma, se torna cada vez mais contida e a relação com sua filha é permeada por estranhamentos, ela tem dificuldade em reconhecer Kennedy como a própria filha, essa menina branca de olhos claros. Os capítulos sobre Stella são pra mim os mais complexos e os que me fizeram refletir mais sobre racismo e identidade.

A prole dessas duas mulheres também desempenham funções importantes para história. Jude, a menina negra que consegue se formar em medicina e tem um namorado transexual e Kennedy, a menina branca que sonha em ser atriz, mas tem seus sonhos constantemente frustrados, ainda que seja rica, branca e linda. As histórias dessas quatro protagonistas nos fazem pensar muito sobre pertencimento e identidade. A filha da mulher que mente sobre seu passado e sua própria vida se torna uma atriz, que sente prazer em performar outras vidas, em ser, a cada papel, uma pessoa diferente. A mulher cujo sonho era se distanciar ao máximo de suas raízes, retorna a sua cidade anos depois e suas raízes ficam cada vez mais profundas, somente se permitindo ir embora após a morte da mãe, vinte anos depois. Jude, que foi vítima de todos as violências racistas em Mallard, quando criança, se torna uma mulher confiante, a segunda mulher de sua família a ter diploma, seguida de Stella, que apesar de ter sido negada os estudos quando nova, chega a universidade e se torna professora de estatística, a despeito dos protestos machistas do marido.

Mallard é a cidade fictícia representada por Brit Bennett em seu livro A Metade Perdida, mas é também toda a sociedade racista americana, toda a sua história de segregação racial e luta por direitos iguais, seus personagens são representações de uma cultura perversa que anula uma história em detrimento da outra, que produz violências físicas e subjetivas irreparáveis. No Brasil, esta violência se produziu de outra forma, talvez mais implacável porque sutil e camuflada nas entrelinhas de um "jeitinho brasileiro", mas ainda assim, este livro (e talvez todo livro que traga o tema do racismo) serve também para pensar o racismo à brasileira, enquanto apagamento da identidade do povo negro, o processo de tornar-se branca de Stella talvez não seja tão distante assim no tempo e no espaço. Mallard está em todos os lugares.

*edição do clube de assinatura Intrínsecos.

segunda-feira, 10 de dezembro de 2018

De Mim Para Mim

Não é fácil manter hábitos pelo simples prazer de mantê-los. Nesta categoria eu incluo este blog. Ler poderia ser um desses hábitos, mas pelo contrário, não é nada difícil ler para mim. Eu mantenho o mesmo ritmo há mais ou menos 3 anos e tem sido ótimo, é o meu respiro neste mundo sufocante e caótico, é onde eu me organizo. Não há lugar onde eu me sinta mais em casa do que com um livro nas mãos, eu me reconheço neste lugar, sei do que se trata, ainda que seja o desafiante Jogo da Amarelinha (lido este ano), ainda assim, eu sei me movimentar através de sua dificuldade.
Bem, tudo isso para falar do quanto estou triste de não ter me mantido disciplinada o suficiente para atualizar este diário. Escrever sobre o que eu leio é uma tarefa que exige tempo, dedicação, disciplina (de novo) e, é claro, elaboração. Na maioria das vezes, eu só quero ler um livro por cima do outro e não dou o devido tempo de elaborar o que eu li. Não que eu os esqueça, mas eu não paro pra pensar e a escrita seria esse momento de parar para pensar. Da mesma forma, nem sempre eu tenho algo a dizer sobre o livro, alguns pedem uma linha de pensamento, outros eu nem saberia como começar, como o já citado do Cortázar (alguma dúvida que este livro me marcou?). 
Dentre todos os adjetivos, leitura pra mim é sobretudo fuga. E escrever é o oposto de fugir, é voltar-me para mim mesma, me fundindo com a obra e criando algo a partir de mim. Muitas vezes eu não quero me encontrar comigo mesma e talvez essa seja a razão-chave de eu sempre querer e nunca conseguir manter um registro das minhas impressões de leitura. Eu admiro demais quem consegue manter tudo arrumadinho, todos os parágrafos devidamente bem estruturados, os links corretos e os layouts visualmente interessantes.
Poderia finalizar dizendo o quanto eu vou me esforçar ao máximo para nutrir, divulgar e me orgulhar deste espaço, mas a quem eu vou enganar senão a mim mesma? Portanto, deixarei somente esta carta como lembrete de que eu não deixei de esperar, esperar, esperar o dia em que deixarei de fugir de mim mesma.

sexta-feira, 9 de junho de 2017

Sobre o Livro #3 - Um Outro Amor




Se eu caísse agora e tivesse poucos segundos, talvez uns minutos para pensar antes que tudo acabasse, eu pensaria justamente o oposto. Que não conquistei nada, que não vi nada, que não vivi nada. Eu quero viver. Mas então por que não vivo? Por que, quando estou a bordo de um avião ou no interior de um carro e imagino que posso cair ou bater, o meu pensamento é que não importaria muito? Que não faria muita diferença? Que para mim daria na mesma viver ou morrer? Porque esse é o meu pensamento mais recorrente. A indiferença é um dos sete pecados mortais, e na verdade o maior de todos, porque é o único que atenta contra a vida.

Um Outro Amor é o segundo livro da série Minha Luta do norueguês Karl Ove Knausgard. Nesta série, temos nada mais que a autobiografia do autor, contada na forma de um romance, enquadrando o livro no gênero ficção autobiográfica. São sete livros no total e cada um deles aborda de forma mais contundente algum aspecto da vida de Karl Ove.
No primeiro, o título dá a dica, A Morte do Pai enfoca tanto na relação nada amigável com o pai quanto nos sentimentos conflituosos do autor que emergem com seu falecimento. Já Um Outro Amor conta a história de sua própria família, a relação com a esposa Linda e o nascimento dos seus três filhos, especialmente a primogênita Vanja, além de Heidi e John. Pra mim, os capítulos que narram a gravidez, o nascimento emocionante de Vanja e a beleza da descoberta de si enquanto pai são os mais bonitos do livro.
Por falar na estrutura, reconheço que esses livros talvez não sejam convidativos ao grande público porque Karl Ove descreve sua própria experiência de vida de forma não tão surpreendente assim. Ou seja, temos parágrafos e parágrafos de uma simples ida ao supermercado, detalhes banais de uma festa de aniversário, a trivialidade de uma ida ao bar com um amigo querido. São detalhes que me fez sentir mais próxima do autor, você se reconhece nessas banalidades porque é a vida como ela é, não a ilusão de uma vida incrível de acontecimentos de tirar o fôlego. Se é isso que você procura, nem abra os livros de Karl Ove.
Talvez de forma paradoxal, a banalidade da vida é que torna o livro único, é para poucos a capacidade de narrar de forma tão envolvente uma ida a um café para fumar e ler um jornal, Karl Ove consegue fazer o leitor sentir-se impelido a descobrir mais sobre sua história, mesmo que seja a história de um escritor pai de família como tantos outros. Outro ponto interessante foi descobrir mais sobre a Noruega e Suécia, apesar dele ter nascido no primeiro país, após o término do primeiro casamento, o autor muda-se para Estocolmo para "recomeçar a vida" e é nesta cidade que passeamos a maior parte do livro, interessante conhecer hábitos e a vida nesse país.
Apesar de, em alguns momentos o livro ter essa capacidade mágica de querer acabá-lo de uma vez só, em outros as suas divagações pediam por uma pausa, quem leu o primeiro livro irá notar que suas elucubrações sobre a vida, o universo e tudo o mais são uma constante maior em Um Outro Amor, tornando-o bem maior que o primeiro. Recomendadíssimo!

terça-feira, 13 de dezembro de 2016

Lista #2 - Projeto "Tirando a Poeira" (Atualização)

Apesar de ter acumulado uma quantidade absurda de poeiras neste pequeno blog, eu não o abandonei de todo. Mantive firme e forte o meu único projeto literário do ano e daqueles 20 livros da lista, eu consegui ler 18. São eles:

1. O Evangelho Segundo Jesus Cristo - José Saramago
2. O Cão dos Baskervilles - Arthur Conan Doyle
3. As Horas Nuas - Lygia Fagundes Telles
4. Sobre a Beleza - Zadie Smith
5. O Estrangeiro - Albert Camus
6. A Obscena Senhora D - Hilda Hilst
7. Textos para Nada - Samuel Beckett
8. A desumanização - Valter Hugo Mãe
9. O Pintassilgo - Donna Tartt
10. Garota Exemplar - Gillian Flynn
11. Laranja Mecânica - Anthony Burgess
12. O Talentoso Ripley - Patricia Highsmith
13. O Sol é para Todos - Harper Lee
14. Mrs. Dalloway - Virginia Woolf
15. Se um viajante numa noite de inverno - Italo Calvino
16. Persuasão - Jane Austen
17. Uma Aprendizagem ou o Livro dos Prazeres - Clarice Lispector
18. A Mulher Desiludida - Simone de Beauvoir

Para não dizer que não falei dos livros, segue um brevíssimo comentário dos meus livros preferidos até o momento.


  • Sobre a Beleza - Zadie Smith

Eu já havia ficado encantada com Caçador de Autógrafos ano passado, mas Sobre a Beleza coloca o romance anterior da inglesa Zadie Smith em outro nível, de tão superior. Este livro, publicado em 2005 com tradução de Daniel Galera, conta a história de uma família, ou melhor, duas, que enfrentam uma intensa querela intelectual, a de Howard Belsey é liberal, enquanto a de Monty Kipps é ultraconservadora. Tudo caminha bem, até que o filho de Belsey apaixona-se pela filha de Kipps e, posteriormente, Monty é convidado a dar aulas na mesma universidade de Belsey, nos EUA, até então Monty e família viviam no Reino Unido. O romance é recheado de reviravoltas, hipocrisias, ótimos diálogos, um retrato importante e ao mesmo tempo um pouco desolador da sociedade contemporânea. Fiquei mais interessada em acompanhar a bibliografia da autora, falta ler NW e Dentes Brancos.




  • A desumanização - Valter Hugo Mãe
Quer um livro triste? Daqueles de abraçar o travesseiro quando termina? Mas que ao mesmo tempo, te deixa com certa alegria por ter lido uma história tão tristemente bela? Este é o escolhido. A desumanização se passa na Islândia, um dos países que a meu ver cabe muito bem a descrição de belo, mas triste, melancólico. A história é o processo de luto atravessado por uma menina que acabara de perder a irmã gêmea, entre uma relação conflituosa com a mãe - que a acusa pela morte da irmã -, terna com o pai e a descoberta de uma amizade inesperada, ela vai aos poucos dando um lugar para esta perda de um outro idêntico a si próprio. Valter hugo mãe é poesia pura, fiquei encantada, quero ler todos os outros do autor. 

"Andei comigo as coisas nenhumas que me pertenciam. Levei a camisola de Sigridur. Olhei para a casa como se a deixasse absolutamente vazia. Senti que a Sigridur era o passado. Estava posta no passado igual a ter-me abandonado. Afinal, pensei eu, a morte não tem sequer inteligência suficiente para te deixar falar-me. A morte é egoísta. Talvez nem te deixe passar perto do menino. Talvez não reconheça direito a nada. É a supressão de toda a dignidade."





  • O Pintassilgo - Donna Tartt
Uma das emoções mais avassaladoras causada por um livro é o apaixonamento arrebatador, daqueles de sentir amor e ódio na mesma proporção. Dito isso, confesso, eu me apaixonei pelo O Pintassilgo e suas mais de 700 páginas. O personagem-título é uma obra de arte, furtada pelo jovem Theo de dentro dos escombros de uma explosão em um museu nos EUA, fruto de um ataque terrorista. Theo estava dentro do museu no momento da explosão, junto de sua mãe, que acaba falecendo no trágico acidente. É a partir desta perda que a história se desenvolve, mais um livro cujo tema da morte está presente, especialmente na primeira parte, quando Theo passa a morar com a família de um amigo, tendo em vista que o pai o abandonara anos atrás e ele basicamente, não tem mais ninguém no mundo. A história vai dos 13 aos 27 anos da vida de Theo e sua obra de arte, por isso acompanhamos todo o percurso de seu amadurecimento, mas não necessariamente crescimento, uma vez que o Theo adulto não é um personagem tão digno de amor quanto o Theo criança, mas nada mais verossímil que um adulto cheio de máculas. 



  • Laranja Mecânica - Anthony Burgess
É lugar comum falar deste como um dos clássicos da ficção científica, não é por menos, Burgess conta uma história original e cheio de elementos interessantes, como o vocabulário da gangue de Alex. Mas vamos por partes. O livro é narrado pela perspectiva do jovem Alex, um típico adolescente inglês do futuro - que tipo de futuro, isso não fica muito claro -, filho único, mora com pais amorosos, trabalhadores e dedicados. Entretanto, Alex é o exato oposto do ideal, é o líder de uma gangue adolescente que acomete os mais bárbaros crimes pela madrugada adentro, saques a lojas, espancamentos de mendigos e transeuntes, estupros, assaltos a casas, etc. Uma característica peculiar desta gangue, como já citei, é o vocabulário chamado de Nadsat, encharcado de gírias, tantas, que demora até pegar o ritmo do livro, já que inicialmente não se entende nada do que está escrito (um salve para o glossário ao final do livro inserido pela editora Aleph). Tudo vai "bem", até que Alex é pego pela polícia em uma de suas incursões e o livro começa a ficar mais interessante, podemos ter uma visão mais acurada da sociedade retratada no livro, completamente infestada por essas gangues de ruas e tentando a todo custo, das formas as mais abjetas, "limpar" e "salvar" esta sociedade de seus jovens delinquentes. Neste sentido, Alex torna-se o bode expiatório de um dos experimentos utilizados para "salvar sua alma". Um aperitivo da primeira página da história, quando você acha que se enganou e pegou um livro escrito em outra língua:

"Bom, o que vendiam ali era leite-com-tudo-e-mais-alguma-coisa. Eles não tinham autorização para vender álcool, mas ainda não havia leis contra prodar algumas das novas veshkas que costumavam colocar no bom e velho moloko, então podia pitar com velocet, sintemesc, drencrom ou alguma outra veshka que lhe daria uns belos de uns quinze minutos muito horrorshow só ali, admirando Bog e Todos os Seus Anjos e Santos no seu sapato esquerdo com luzes espocando por cima da sua mosga."

sexta-feira, 18 de dezembro de 2015

Listas #1 - Melhores livros de 2015

Olá!

Com a proximidade do final do ano, além dos projetos, é o momento de relembrar as leituras realizadas deste ano, então separei as minhas seis melhores leituras. Fazendo um balanço geral, eu acho que meu desempenho de leituras deste ano foi de regular a bom, eu li até o momento, 36 livros e 8 HQs (graphic novels e mangás), com uma média de 3 livros por mês. Acho que foi relativamente pouco, vou tentar aumentar minha meta pro próximo ano.

Então, vamos ao top 6!


*Os livros não estão listados hierarquicamente, do pior para o melhor.

1) A Coisa - Stephen King
O meu calhamaço do ano foi também uma das minha melhores leituras, no kindle, eram cerca de 2000 páginas, mas que devorei em menos de um mês, de tão envolvente. Conta a história da cidade fictícia de Derry e de seis moradores, únicas pessoas que conseguem entrar em contato com o que há de mais sombrio nesta cidade, A Coisa, personificada como um palhaço aterrorizante. Esses seis moradores, crianças no início da história, unem-se e tornam-se amigos pelo medo, inicialmente de outras crianças da cidade que praticam bullying com eles e depois, pelo segredo que os une, de serem os únicos a saberem da existência da Coisa. Além de acompanharmos a histórias dessas crianças por flashbacks, já que nos dias atuais eles já são todos adultos, vemos o reencontro deles, afastados há anos deles mesmos e da cidade natal, mas que mais uma vez unem-se a fim de derrotar de uma vez por todas A Coisa de Derry.

2) As Virgens Suicidas - Jeffrey Eugenides
Conheci esta história primeiramente através do filme de Sofia Coppola, apesar da crítica ter sido muito positiva, não foi um filme que me empolgou, talvez devido as minhas altas expectativas. Deu-se o oposto quanto ao livro, estava na espera de uma história mediana, mas a escrita de Jeffrey Eugenides me encantou do início ao fim. Como no livro anterior, há o enfoque em uma cidade, mas mais na família Lisbon e nas cinco lindas filhas do casal, todas jovens, com idades de um ano de diferença, dos treze aos dezessete anos. Sabemos dessa história pela perspectiva de um grupo de amigos vizinhos de mesma idade, aparentemente eles narram a história já adultos, mas são poucas as indicações nesse sentido, e que eram completamente fissurados pelas meninas, acompanhavam-nas pelos seus binóculos pelas janelas de suas casas, encontravam-se às escondidas para ficarem espiando e especulando sobre suas misteriosas vidas. O fascínio aumenta sobremaneira após o suicídio da mais nova, Cecilia, e em como as outras meninas parecem ter o mesmo propósito, ao mesmo tempo em que são subjugadas por uma mãe intimidadora e super protetora. Este livro levou-me a querer ler mais do autor, a narrativa escrita pela perspectiva dos meninos, com toda adoração e aura de mistério, é cativante.

3) A Redoma de Vidro - Sylvia Plath
Eu tenho dificuldade em saber qual livro, filme, etc eu gosto mais em relação a outro, mas este livro eu não tenho dúvidas de que foi minha melhor leitura do ano e está nos meus preferidos da vida. Depois de terminá-lo, eu ainda reli duas vezes de tão apaixonada que fiquei por Sylvia Plath e Esther Greenwood, a protagonista da história. É um livro autobiográfico, Esther é a personificação das próprias vivências e angústias de Sylvia e foi escrito semanas antes do suicídio desta, talvez por ser tão visceral tenha me encantado tanto. A narradora é a própria Esther, jovem adulta americana da década de 20 que sonha em ser poetisa, mas ao ser recusada em um curso de oficina de ficção e ter ido trabalhar por algum tempo em Nova York, saindo pela primeira vez de sua cidade natal, Boston, começa a se questionar se realmente é boa o bastante para escrever, quiçá viver, e cai numa profunda depressão, indo parar em diferentes instituições psiquiátricas. O sofrimento de Esther também é claramente por se sentir tão diferente de todas as outras jovens de sua idade, em Nova York por exemplo ela sente-se deslocada por não ser tão fútil quanto as colegas e, diferente do sonho da maioria das mulheres de sua época - de sua mãe inclusive - ela não quer casar e nem trabalhar às custas de um homem como datilógrafa, a profissão que sua mãe empurra a ela constantemente, seu sonho é trabalhar por si só, com seu trabalho, escrevendo, ela é o que se pode chamar, de forma bem clichê, uma mulher a frente do seu tempo. Mas é triste e ao mesmo tempo bonito acompanhar o quanto manter-se verdadeiro consigo mesmo, a despeito dos outros, pode ser causa de tanta angústia, tanto quanto da própria autora que, infelizmente, não conseguiu suportar.

4) O Tempo e o Cão - Maria Rita Kehl
Ainda na temática da depressão, este é um livro de não-ficção sobre o tema da psicanalista Maria Rita Kehl, vencedor do prêmio Jabuti de não-ficção. É um livro muito preciso, um estado da arte sobre o tema, escavando como a depressão foi vivenciada ao longo da História, sob que nomes e  quais determinantes históricos a ela esteve ligada, além de tecer um belo panorama contemporâneo sobre as condições de possibilidade para o aparecimento da depressão dos dias atuais, como a vivência de tempo e espaço interferem nas experiências subjetivas, que podem desembocar nos estados depressivos, como esse diagnóstico aparece tanto atualmente, recebendo inclusive a alcunha de "doença do século". Ao final, ela explora como a psicanálise entende a depressão, expondo uma tese pessoal muito pertinente. As referências são várias, Lacan, Winnicott, Walter Benjamim, Marx, Bergson, Baudelaire, é um livro pra ser lido e relido pra quem se interessa pelo tema.

5) A Amiga Genial - Elena Ferrante
Tanto este quanto A Redoma de Vidro, eu havia lido para o clube de leitura leia mulheres do Rio de Janeiro, infelizmente não consegui ir em nenhum dos dois meses, mas ambas foram as minhas melhores leituras do ano, um belo presente. Elena Ferrante é o pseudônimo de uma italiana, mas não se sabe quem é, não dá entrevistas, ninguém nunca a viu, sequer se sabe se é homem ou mulher, sob essa aura de mistério, encarna a tetralogia iniciada pelo livro A Amiga Genial sobre uma amizade permeada de muito amor e ódio entre a narradora Elena e sua amiga Lila, moradoras de uma vizinhança muito pobre em Nápoles na década de 50. Elena conhece-a desde muito pequena, na escola quando se surpreende com a inteligência "natural" da amiga, colocando-a numa aura de magnitude que a acompanhará por toda a vida, sente-se diminuída por quanto ela, Elena acha que precisa esforçar-se sobremaneira para sobressair-se na escola (e depois, na vida), enquanto que para Lila parece ser inteligente sem grandes esforços. Ao longo da história, em pequenos apontamentos fica claro o quanto esta aura é muito mais produto das fantasias de insegurança de Elena do que de uma genialidade de Lila. Este primeiro livro vai desde a infância das duas até o casamento de uma delas, terminando com aquele gancho que nos impele a querer continuar para o próximo livro, é uma história envolvente e verdadeira sobre as paixões que envolvem uma grande amizade.

6) A Morte de Ivan Ilitch - Lev Tolstói
Minha segunda experiência com Tolstói, um livro pequeno, mas incrível, os autores russos são realmente invejáveis em sua escrita. Narra os três dias que antecederam a morte de Ivan Ilitch, onde ele faz uma verdadeira retrospectiva de toda sua vida, seu relacionamento com amigos, mulher e filhos, seus arrependimentos e conquistas, põe-se a elaborar toda sua vida, desde a infância, juventude, até a velhice. Estar confrontando a morte tão de perto também é tema de suas divagações e reflexões, vemos um homem moribundo temendo aquilo que não pode entender, tentando buscar explicações para o depois de sua morte. É um livro breve, mas muito rico, depois deste e de Anna Karenina, impossível não querer ler tudo de Tolstói.