segunda-feira, 14 de dezembro de 2015

Sobre o Livro #2 - As Brumas de Avalon



[CONTÉM SPOILERS]

Olá!

Finalmente, terminei a leitura dos quatro volumes de As Brumas de Avalon, não consegui manter os diários de leitura, então achei melhor fazer um post só sobre todos os livros. Já comentei um pouco sobre o primeiro livro, Senhora da Magia, mas agora pretendo falar da história como uma só, não vou subdividir onde acontece o quê, pra dar mais dinamismo e também porque a história é pra ser lida assim mesmo, de uma vez só, como um único livro, há bastante encadeamento entre eles.

Como já havia dito, esses livros contam a perspectiva feminina do mito do rei Arthur, eu digo mito pois não se sabe até hoje se ele realmente existiu, ele teria vivido em torno do século V, mas sua história está cercada por misticismo, acontecimentos e personagens fanstasiosos, sendo objeto de várias versões. Esta de Marion Zimmer Bradley segue o contra-fluxo dessas versões ao focar nas mulheres, principalmente na meia-irmã de Arthur, Morgana, comumente retratada como uma mulher maquiavélica e pérfida, mas aqui há uma versão mais humana, tornando-se uma das minhas personagens mulheres preferidas da literatura.

Os livros iniciam-se desde antes do nascimento do futuro rei e do casamento de seus pais, Igraine e Uther, acompanhamos uma Morgana ainda recém-nascida, fruto da união do primeiro casamento de Igraine com o duque Gorlois. Com a ascensão de Uther ao trono, arrebatada pela paixão, Igraine, antes uma mãe devotada, passa a investir completamente em seu casamento, sobrepujando-o à maternidade, o que não é sem sofrimento para a pequena Morgana, que se vê obrigada a ser ela mesma mãe de seu irmão Arthur. Anos depois, Viviane leva a já crescida Morgana para tornar-se sacerdotisa de Avalon, e no futuro substituir Viviane no cargo de Grande Sacerdotisa.

Entretanto, após o controverso Grande Casamento, Morgana abandona Avalon, grávida e completamente amargurada em relação ao seu destino, há pela primeira vez um profundo desgosto em servir sua vida a Deusa, sente-se manipulada por Ela e, em consequência, por Viviane, que seria a representação da Deusa na Terra, o instrumento através do qual Seus propósitos são executados. Assim, Morgana abandona o posto de sacerdotisa e refugia-se na corte de sua tia Morgause, casada com Lot de Orkney, vale lembrar que este rei havia ambicionado ser o Grande Rei, sendo preterido a Uther, por isso tanto ele quanto sua gananciosa esposa sonham em colocar no trono um de seus filhos. Na corte de Morgause, Morgana dá a luz ao seu filho Mordred, mas o deixa para ser criado pela tia.

Paralelo a tudo isto, o rei Arthur ascende ao trono após a morte do pai e casa-se com a cristã fervorosa Guinevere, para mim os capítulos protagonizados por ela são os mais enfadonhos, sua temeridade inquestionável ao Cristo, sua devoção e fanatismo pra mim são muito cansativos, principalmente porque há muitas contradições e conflitos internos entre seus desejos mais íntimos e a fé cristã. Seu maior conflito é o fato de não ser apaixonada por seu marido, mas pelo seu primo e amigo mais íntimo, Lancelote, esta paixão é mote de toda a angústia e culpa de Guinevere. Além disso, a rainha não consegue realizar o que seria sua única função enquanto mulher de um rei: dar-lhe filhos, ela então associa sua esterilidade com o pecado de desejar outro homem, que não seu marido, tornando-o como uma penitência pelos seus pecados.

O contraponto entre Guinevere e Morgana e outras mulheres de Avalon é o ponto mais interessante dos livros para mim. Um dos grandes fios condutores das histórias é a religião, de um lado, o cristianismo e de outro o paganismo, e ambas as crenças tem uma visão completamente oposta em relação ao papel da mulher, pela perspectiva de Guinevere, o cristianismo tem uma visão da mulher como abjeta, fonte de todo o pecado do mundo, desde Eva, ela deve ser submissa, colocar-se sempre atrás dos homens e sentir-se culpada pelo simples fato de ser mulher. Ao contrário, em Morgana, vemos a exaltação do feminino, a mulher como aquela que dá a vida, não é a toa que em Avalon se cultua a Deusa e não o Deus, vê-se isso em todas as atitudes de Morgana, mesmo quando se afasta de Avalon, ela ainda mantém uma postura de não submissão e de autoridade, invejada por Guinevere, diga-se de passagem.

Os acontecimentos vindouros são voltados para as façanhas do rei Arthur, como ele conseguiu juntar em torno de si os cavaleiros da Távola Redonda e expulsar os saxões da Bretanha, através de sua espada Excalibur, encantada com a magia de Avalon para que ele nunca perecesse enquanto a portasse. Esta espada é o símbolo do juramento de Arthur que, em troca de sua magia, promete defender o paganismo e as religiões célticas junto ao cristianismo. Esta promessa é quebrada, com insistência de Guinevere, e o rei Arthur depõe a bandeira usada pelo seu pai, com os Dragões, símbolo de todas as religiões pagãs para usar somente o símbolo da cruz. Tal perjuro é condenado, obviamente por Viviane e também por Morgana que toma essa traição para si e passa a tentar, principalmente após a morte de Viviane, vingar tal perfídia em nome de Avalon.

Apesar de aproximar-se mais de Avalon, ainda assim Morgana não assume o posto de Grande Sacerdotisa após a morte de Viviane, ela casa-se com o velho Uriens da Gales do Norte, e toma forças para vingar Avalon após envolver-se amorosamente com o enteado, filho de Uriens, Acolon. Mas suas tentativas de fazer Arthur cair não funcionam e ela mais uma vez depara-se com muita dor e sofrimento durante esta jornada, permeada de muito ódio aos cristãos e de muita amargura por ver Avalon ir aos poucos sendo consumida pelas brumas e também culpa, pois acredita que ao abandonar Avalon grávida, ela de certa forma, deixou que o destino se configurasse desta forma. 

Aqui é o ponto onde, ao mesmo tempo que há disparidades, também tem alguma convergência entre Morgana e Guinevere, ambas são movidas pela sua fé, a seu modo e sentem culpa por acharem que não estão cumprindo a vontade de seus deuses por mais que suas vidas inteiras tenham sido dedicadas a manter viva suas crenças. Portanto, apesar de tão diferentes entre si, as diferentes narradoras desta história, Igraine, Viviane, Morgause, Morgana, Guinevere, Nimue, Niniane, todas tem em comum esta devoção incontestável por seus deuses, uma relação de amor e ódio profundos pela sua religião, na tentativa de conciliar seus desígnios indecifráveis com seus próprios desejos e paixões. Enfim, são personagens humanas e isso que me faz gostar e sentir tanto carinho por essa saga.

Espero que tenham gostado e até a próxima!



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